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segunda-feira, 2 de maio de 2016

Para professor da Unicamp, já vivemos Estado de Exceção semelhante ao nazismo

antonio scarpinelli laymert unicamp

O pesquisador e professor da Unicamp Laymert Garcia dos Santos afirmou em uma entrevista esclarecedora e contundente que o Brasil não passa somente por um golpe de Estado, mas já vive um Estado de Exceção e um momento muito parecido com a queda da República de Weimar e a ascensão do nazismo.
” Uma das características importantes dessa implosão das instituições, nos anos 20-30, na Alemanha, é o modo como os juízes violavam a lei e a Constituição, e é ao que estamos assistindo aqui”, afirmou ao Jornal da Unicamp.
Nesse sentido, diz o professor, o Brasil já vive um Estado de Exceção. “Se se suspendem as garantias constitucionais a ponto de, por exemplo, ser autorizado por uma instância inferior da Justiça o grampo e a divulgação do grampo da presidente da República, isso significa que a Constituição não está valendo para ela. Se não está valendo para a presidente da República, para quem vai valer?”, questiona.
O professor também diz que não lê mais a grande mídia brasileira. Recentemente se recusou a escrever um texto para o jornal Estadão, o qual definiu como um jornal golpista. Ele diz que lê a imprensa internacional e a mídia da internet que emergiu nos últimos anos. “Graças a Deus existe a internet”, afirmou.
Veja os principais trechos da entrevista em tópicos:

Protestos de Junho de 2013
Venho acompanhando essa questão desde 2013, na verdade. Porque, no meu entendimento, as coisas começaram com as manifestações de 2013. Foi lá que a gente viu, pela primeira vez, manifestantes na rua com uma pauta progressista, só que expressa numa linguagem conservadora.
Era uma pauta por ampliação de direitos, portanto uma pauta democrática. Mas o modo como se exprimia era conservador, e foi a primeira vez que a gente viu surgir uma reivindicação conservadora na rua. Isso em 2013.
Já em 2014, acho que o impeachment da Dilma começou na abertura da Copa do Mundo, quando convidados do camarote do banco patrocinador começaram a gritar para o mundo – porque a abertura da Copa era transmitida para o mundo inteiro – xingamentos de baixo calão contra a presidente.
Foi a primeira vez que vi um presidente da República ser ultrajado dessa forma, e partindo de onde? Partindo do camarote de patrocinadores da Copa do Mundo. A partir daí começou o escracho da Dilma. E isso foi extremamente sério, porque sinalizou que essa posição, no meu ponto de vista, partia de um grande descontentamento da superelite. Era a superelite decretando guerra.
Momento parecido com o nazismo
Há ilegalidades que vão sendo realizadas por aqueles que deveriam zelar pelo cumprimento da própria lei, você já tem outro problema: são ilegalidades não só no modo de captar, através de grampos, mas também de divulgar as informações. A divulgação é cronometricamente estudada para obter efeitos na relação entre Judiciário e mídia. Como bombas informacionais.
Não fui eu que inventei esse procedimento analítico. Esse tipo de análise foi feito nos anos 20-30, com relação ao modo como foi desestabilizada a República de Weimar, na Alemanha, com a ascensão do nazismo. E foi durante a República de Weimar que a gente viu a implosão das instituições e uma desestabilização que deu, como resultado, o triunfo do enunciado “Viva a morte!” e a “Solução Final” do problema judeu. Uma das características importantes dessa implosão das instituições, nos anos 20-30, na Alemanha, é o modo como os juízes violavam a lei e a Constituição, e é ao que estamos assistindo aqui.
Eu diria que, se pedalada é crime, então pedalada é crime. Se é crime, então por que não foi punida antes, ou em outras vezes. Se não é crime, por que se tornou crime agora? E depois, quais pedaladas se tornaram crime? Porque o que a gente está assistindo agora, com a tentativa de dissociar do caso as pedaladas assinadas pelo Temer, é que há pedalada que vale e pedalada que não vale – de novo, a seletividade. As pedaladas de Dilma são criminosas e as do Temer não são criminosas. Então, que negócio é esse? Tudo que você aborda hoje, é assim. Esse é o problema para mim: não há critério. Você percebe que as instituições estão desmontando quando não existe mais regra. A regra vale para mim de um jeito e para você, de outro jeito.
E a votação do impeachment na Câmara? Foi uma coisa fantástica, absolutamente grotesca. Porque você sabe quem são aquelas figuras que falavam de moralidade, contra a corrupção. Acontecia assim também na República de Weimar: as palavras queriam dizer o contrário do que diziam. Você ia ao nível do discurso, as pessoas estavam dizendo alguma coisa, mas significavam o contrário.
Acho que existe um risco parecido no Brasil, porque a questão que importa, para mim, é se você está num Estado Democrático de Direito, ou não. No meu entender, não estamos mais num Estado Democrático de Direito. Nós estamos num Estado de Exceção. E essa questão é interessante para remontar a Weimar, porque ela foi muito estudada: como se implantou o Estado de Exceção na Alemanha.
Estado de Exceção
E o problema, aqui, nesse aspecto dos enunciados, é que muita gente diz que haverá um Estado de Exceção no Brasil. No meu entendimento, não é que haverá, ele já aconteceu. Se se suspendem as garantias constitucionais a ponto de, por exemplo, ser autorizado por uma instância inferior da Justiça o grampo e a divulgação do grampo da presidente da República, isso significa que a Constituição não está valendo para ela. Se não está valendo para a presidente da República, para quem vai valer?
Para mim esse é o problema: já estamos em um Estado de Exceção; pois, se as garantias constitucionais não funcionam para a presidente, para ministros e para advogados, para quem mais vão funcionar? Ouço as pessoas dizerem: ah, mas para o povão da periferia nunca funcionou, nunca houve Estado de Direito. Mas isso não justifica nada. O que se deveria fazer era estender o Estado de direito até eles, e não o contrário.
Mídia Golpista e Internet
Eu vejo mais do que direcionamento, vejo um acerto entre as grandes mídias, porque há uma voz comum. As grandes empresas de mídia, com algumas nuances e variantes, têm um posicionamento editorial que é comum. E esse posicionamento comum é fruto de um entendimento comum da leitura da situação, e de qual discurso vão tentar fazer prevalecer.
Graças a Deus a gente tem internet para poder, pelo menos, no nível alternativo, por exemplo, nos chamados blogs sujos, construir uma nova versão. Senão, estava tudo completamente dominado, haveria só uma versão dos acontecimentos e você não teria a possibilidade de desconstrução desse discurso. A mídia alternativa está fazendo a desconstrução do discurso unívoco da grande mídia.
Um papel enorme, absolutamente enorme. Antes de mais nada, voltando ao ponto que já tinha levantado, se há a possibilidade de um outro discurso, que não o único das elites, é porque existe internet. E é porque existe gente preparada, que sabe trabalhar informação e que está inventando novas maneiras de processar essa informação com rapidez, poucos recursos, mas com rapidez, na internet.
Boa parte, inclusive, do problema da grande mídia, decorre da internet. As grandes empresas precisam de benesses, de dinheiro público, porque souberam muito mal se adaptar às mudanças tecnológicas que aconteceram. Não só a mídia impressa, mas também a mídia televisiva.
Ampliou, também, de certa maneira, uma espécie de independência com relação à própria produção da informação, porque ficou mais fácil: hoje todo mundo pode, de alguma maneira, produzir informação. É claro que você não pode produzir informação na mesma escala que a grande mídia produz. Mas muitas vezes, do ponto de vista qualitativo, você pode produzir, com poucos recursos, uma informação que pode bater de frente com aquela que é feita pelas grandes corporações, e pode apresentar uma outra versão dos acontecimentos, uma outra análise dos acontecimentos. Isso é possível! Antigamente não era possível, porque era preciso ter muito capital para isso. É uma mudança gigantesca.
Por exemplo: para uma pessoa, um intelectual, um professor universitário, acabou a ditadura de ter que se informar só com a mídia brasileira. Eu, por exemplo, já há anos não leio jornais brasileiros, como pratica cotidiana. Leio ou as informações na internet, por meio de um leque de sites e blogs, ou leio diretamente a imprensa internacional. Por que eu leio o Financial Times? Porque considero que esse é um jornal global, e é um jornal global que precisa dizer o que está acontecendo para os investidores globais. Ele não pode ficar mentindo. Porque vai ser cobrado pelos seus leitores, que são globais.
Então, mesmo que ele tenha uma posição conservadora, neoliberal, e ele é conservador e é neoliberal, tem que dar a informação para o seu leitor, porque vai ser cobrado num plano que, aqui no Brasil, ninguém está cobrando. Então, prefiro ler um jornal como o Financial Times, inclusive para saber melhor o que acontece no Brasil.
Fascismo
É preciso tomar muito cuidado com essa palavra. Como xingamento, você a ouve das maneiras mais variadas, aplicada às pessoas mais variadas e aos pontos de vista mais variados. Então, digamos, no geral, a palavra ficou banalizada. Mas, existe alguma procedência de um certo emprego da palavra “fascismo” para designar o que está acontecendo nesta situação do Brasil contemporâneo? Eu acho que sim.
E por que acho que sim? Porque a gente nota uma questão que aparecia no fascismo de modo muito forte – era que a posição do fascista não é suscetível de argumentação. Não há argumentação possível com o fascista. E por quê? Porque mesmo que ele não tenha argumento, se você der dez argumentos para ele, ele não vai ouvir, porque a posição dele é irracional, ele é movido pelo ódio, e por um ódio que é visceral. Que evidentemente foi plantado na cabeça dele, ao longo de um tempo muito grande, que ele incorporou como sendo dele. Não há possibilidade de diálogo.
Governo Temer e o caos planejado 
Acho que a situação brasileira vai ser caótica. Vai ser caótica mas, do ponto de vista do interesse externo, que está de olho no pré-sal, na questão da energia nuclear, enfim, naquilo que interessa, os chamados ativos que interessam no Brasil, se vier o caos, eles plantaram isso, o caos não está fora do programa. Aliás, não vai ser o primeiro país a entrar em situação de caos programado. (Texto Integral no Jornal da Unicamp)